Nós e todas as empresas de telecomunicações.
O que elas sempre chamaram de infraestrutura pode virar um peso morto se não houver coragem ou, no mínimo, menos teimosia para repensar o propósito.
Por décadas, o backbone, os cabos, a capilaridade e as licenças bastaram para garantir poder de mercado. Essas barreiras de entrada construíram impérios e sustentaram margens gordas. Mas hoje isso já não carrega o mesmo brilho. A conectividade ficou abundante. Barata. Invisível.
E isso não é apenas uma questão de tecnologia. É uma mudança cultural. Uma mudança de valor.
A história mostra exemplos parecidos. Em algum momento, muitas empresas que dominavam seus mercados esqueceram que estavam ali para resolver um problema real das pessoas e não para vender o produto que as fez grandes no passado. Foi assim com fabricantes de telefones fixos que ignoraram o celular, com editoras que subestimaram o Kindle, com locadoras que desprezaram o streaming. Não foi a tecnologia que faltou.
Foi visão.
As empresas de telecomunicações correm o mesmo risco quando insistem em acreditar que vendem apenas megabits e latência. A conectividade em si perdeu o poder de encantamento. Ela virou ambiente. Uma mercadoria essencial, quase como a energia elétrica.
E sim, é natural que isso aconteça.
Eu não estou contando nada que você já não saiba.
A padronização e a concorrência trouxeram benefícios claros para o consumidor. Mas também criaram um dilema existencial para quem vive de entregar sinal.
Muitos provedores regionais ainda apostam todas as fichas na expansão de rede, na capacidade e na redução de preço. Acreditam que esses movimentos bastam para manter relevância. Mas estamos caminhando para uma era em que fibra, 5G, satélite e banda larga serão commodities indistintas, ofertadas por várias marcas e nem todas serão empresas de telecomunicações.
E nessa nova realidade, ser só “o cano” não garante sobrevivência.
Alguns dirão que isso é discurso.
Que no Brasil o cliente só quer preço e velocidade.
Tudo bem. Pense como quiser. Mas vale refletir se isso não é apenas uma forma confortável de manter o status quo. Porque a pergunta central não mudou: qual é o propósito do seu negócio?
Você vai continuar apegado à ideia de que vender conectividade bruta é suficiente?
Eu não estou aqui plantando o terror, até porque não ganho nada com isso.
Mas não dá para ignorar que o setor desperdiçou o ativo mais precioso que tinha: o relacionamento direto com o cliente. Durante anos, as operadoras abusaram da paciência do consumidor com ligações automáticas, SMS irrelevantes, planos confusos e políticas que mais afastavam do que aproximavam. Enquanto isso, outros players ocuparam os espaços de conveniência, transparência e experiência.
Hoje, a conta chegou. O ARPU estagnou. O Capex segue escalando. E a margem diminui. Mas o que mais preocupa não é a obsolescência da infraestrutura. É a rigidez existencial.
Quando a conectividade se torna ambiente, a questão não é mais “como segurar o cliente”. É “qual é o nosso papel na vida dele”.
Quem ainda tiver coragem de se reinventar tem uma vantagem que muitos dos exemplos que citei jamais tiveram: acesso direto, diário e confiável aos lares e às empresas. Isso é um ativo estratégico. E pode ser o ponto de partida para evoluir de provedor de megabits para parceiro de experiências digitais.
Mas isso não significa inventar serviços mirabolantes só para justificar aumento de ticket médio. Muitos provedores erraram ao empilhar SVAs que ninguém usa, acreditando que isso resolveria tudo. Agrupamento não é inovação. Não adianta ter um cardápio cheio se nenhum prato é relevante para quem está na mesa.
Se a conectividade virou o mínimo, a oportunidade real está em construir ecossistemas que tornem tudo mais simples, seguro e inteligente. Em criar contextos. Em ajudar o cliente a tomar decisões. Em habilitar experiências e gerar confiança.
E por falar em contexto, vale trazer uma reflexão sobre como chegamos aqui. Por muito tempo, muitos clientes até pagariam 150 ou 200 reais por mês pela mesma internet que hoje custa 100. Porque entendiam que o serviço valia isso ou até mais. Já pagaram mais. Só que ninguém mais vai gastar o dobro se tem outras três ou cinco opções por metade do preço que entregam qualidade aceitável.
O preço agora não é baseado no custo, nem no valor percebido. É baseado na concorrência que foi criada pelo próprio setor, um ambiente com tanta oferta e tão pouca diferenciação real. Uma concorrência tão exacerbada num mercado que exige infraestrutura pesada, regulação e investimentos de longo prazo.
Concorrência pro consumidor é ótimo!
É natural que isso pressione margens e provoque consolidação. Mas também abre espaço para quem tiver coragem de responder à pergunta que muitos evitam: se todo mundo oferece megabits, por que alguém deveria escolher você?
Talvez este seja o momento crítico. O ponto em que a decisão de manter o modelo antigo pareça segura no curto prazo, mas pode custar tudo no longo.
Se você ainda acha que a conectividade vai, por si só, sustentar seu negócio, vale repensar.
Porque hoje ou em um futuro próximo, ninguém vai acordar agradecendo pelo Wi-Fi funcionar. Vai agradecer por aquilo que a conexão permitiu fazer. E se você não estiver nesse momento, será substituível.
Mas o problema não é só do provedor individual.
O próprio setor de telecom tem dificuldades em abandonar velhos modelos.
Por décadas, foi assim com a telefonia fixa, com os planos de voz ilimitada, com a resistência às novidades e tendências e agora com a transformação digital das empresas do setor.
O cenário já deu sinais claros de mudança.
O churn disparou. O ticket médio caiu.
A briga já não é por mais clientes, e sim por serviços que agreguem valor real.
A diferenciação não está mais no preço ou na velocidade. Está na experiência, na retenção inteligente, na construção de serviços que realmente resolvem dores dos clientes.
Estratégias novas, nichadas e com valor real ao novo consumo.
O papel do dono é olhar pra fora do negócio, estudar, ter inteligência de mercado, observar dados demográficos, cenários economicos e perpectivas de futuro.
Deixe os rompimentos e os problemas técnicos pra sua equipe.
Não seja cabeça dura e aceite as mudanças que esse mercado vai enfrentar.
No final das contas, é simples. Água sempre foi água. Cano sempre foi cano. A escolha é sua.
Ou você se torna indispensável.
Ou pode desaparecer no fundo da tubulação.